Artigo: O justo valor dos farmacêuticos

Por CARLOS MAURÍCIO BARBOSA - Professor da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto e ex-Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos

As farmácias são verdadeiras unidades prestadoras de cuidados de saúde, dotadas de profissionais altamente qualificados, que, a exemplo de outros países, podem e devem dar mais e melhores contributos ao sistema de saúde.

Foi recentemente publicado o relatório do estudo “Valor social e económico das intervenções em Saúde Pública dos farmacêuticos nas farmácias em Portugal”, que a Ordem dos Farmacêuticos encomendou a consultores externos.

Trata-se de um estudo pioneiro em Portugal, que evidencia, de forma cabal, o valor do exercício profissional dos farmacêuticos comunitários para a sociedade e a economia, revestindo-se por conseguinte da maior importância para o Sistema de Saúde.

O estudo incidiu sobre as diferentes intervenções dos farmacêuticos em Saúde Pública, designadamente ao nível das doenças/terapêuticas crónicas, da saúde materna e da criança e a outros níveis, incluindo o aconselhamento e a indicação farmacêutica nos casos de transtornos menores (tosse, constipação, diarreia, obstipação, etc), cessação tabágica, protecção solar, vacinação, etc. Não foi considerada no estudo a dispensa de medicamentos (isto é, o aviamento de receituário), que, presentemente, representa mais de 90% da actividade das farmácias.

Ainda assim, o estudo demonstra, de forma clara, que as cerca de 120 milhões de intervenções anuais em Saúde Pública (cerca, pois, de apenas 10% da actividade total) dos farmacêuticos comunitários aportam relevante valor. Aportam qualidade de vida à população portuguesa, incluindo factores de boa longevidade. Proporcionam uma redução do consumo de cuidados de saúde de outras fontes estimada em 6 milhões de actos por ano (consultas médicas não programadas, urgências e hospitalizações). E apresentam um valor económico estimado em 880 milhões de euros anuais, integralmente a favor do Estado e das famílias, em resultado do somatório dos custos da intervenção farmacêutica não remunerada e dos cuidados de saúde potencialmente evitados. Adicionalmente, o estudo demonstra a existência de um potencial de crescimento do valor social e económico estimado, caso, no futuro, outras intervenções venham a ser uma realidade em Portugal, designadamente em resultado de uma maior integração com os cuidados primários de saúde e também com os cuidados secundários.

Em suma, o estudo demonstra que em Portugal, como em muitos outros países, sejam da União Europeia, sejam o Canadá, os Estados Unidos e a Austrália, os farmacêuticos comunitários promovem ganhos em saúde, quer sociais, quer económicos.

A prestação de serviços farmacêuticos no âmbito de programas de Saúde Pública, de forma estruturada e reconhecida pelo Estado como um contributo relevante, deve pois constituir o ponto de viragem de tendência para uma cada vez mais efectiva participação dos farmacêuticos comunitários no sistema de saúde.

Mais efectiva participação, dizia, desde logo nos cuidados primários, seja na identificação precoce de indivíduos com factores de risco, seja no acompanhamento dos doentes crónicos, num quadro de gestão integrada da doença com particular enfoque na gestão da terapêutica, tendo em vista assegurar que estes doentes se mantêm equilibrados, já que, quando descompensados, aumenta muito o risco de ocorrerem eventos agudos, de um modo geral graves e dispendiosos (acidentes vasculares cerebrais nos hipertensos, retinopatias e necessidade de amputações nos diabéticos, etc).

Além disso, nos casos de patologias crónicas previamente diagnosticadas e com terapêutica instituída pelo médico, entendo que faz todo o sentido conferir capacidade ao farmacêutico comunitário para intervir quer na monitorização de indicadores da doença quer na renovação da terapêutica, com base em protocolos de actuação.

Após a prescrição médica, o farmacêutico é o elemento de continuidade no processo farmacoterapêutico e também de proximidade com as pessoas, apoiando o doente em todas as vertentes relacionadas com o uso dos medicamentos. Em áreas como a diabetes e a hipertensão arterial, entre outras, a renovação da terapêutica, por si só, constitui uma sobrecarga de procura nas unidades do SNS e provoca-lhes perdas de eficiência.

Por conseguinte, o estudo vem confirmar estas essenciais ideias da Ordem: o País deve apostar e investir no reforço das competências legais dos farmacêuticos e no alargamento da sua intervenção no sistema de saúde, em benefício dos cidadãos. Essa aposta acarretará ganhos importantes em saúde (clínicos, humanos e económicos), mais bem-estar e mais eficiência sistémica.

Faz pois todo o sentido que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) passe a remunerar pelo justo valor, também em Portugal (a exemplo do que já sucede noutros países, como o Reino Unido, a França e a Bélgica, entre outros) as intervenções em Saúde Pública dos farmacêuticos nas farmácias. Os ganhos decorrentes – quer sociais e humanos, quer de eficiência – aconselham tal opção pública.

Temos podido observar, com apreço, uma crescente confluência de posições dos decisores políticos em direcção a estas ideias. Confluência, pelo menos, em tese. Faltará ser politicamente consequente e passar à prática.

As farmácias são verdadeiras unidades prestadoras de cuidados de saúde, dotadas de profissionais altamente qualificados, que, a exemplo de outros países, podem e devem dar mais e melhores contributos ao sistema de saúde. A sua distribuição no território nacional proporciona uma cobertura assistencial da população que é ímpar entre todos os prestadores de cuidados de saúde, públicos e privados. E enquanto parceiros do SNS, podem dar contributos substantivos para promover ganhos em saúde e para alcançar as metas definidas pelas políticas públicas, incluindo as de natureza económica.

Os farmacêuticos portugueses saberão, uma vez mais, estar à altura das suas responsabilidades e dos desafios nacionais. E, na iminência de deixar funções, julgo poder dizer que a Ordem dos Farmacêuticos continuará a defender este caminho reformista do sistema de saúde, por que tanto pugnei, assente na plena integração das farmácias comunitárias na rede de cuidados de saúde primários, sempre com a devida salvaguarda dos deveres deontológicos dos farmacêuticos.